quarta-feira, 18 de março de 2009

Botho Strauss ou no cinquentenário da morte de António Botto





Havia um pajem loiro, desse loiro luz ridente,
que de vivo nos dizia o que era amor de cravo.
Despia-se insinuante sem despir nada de si
e tão perturbável era seu luar de inteiro encanto,
quadrado como ele tinha a voz minguada doçura
que chegava a ser decente seu local corpo de infante
escapulido na rua.

Nem o tocava nem via, nem tolhia o seu ar,
no desejo de o tocar como sendo água fria
onde o pé entra ligeiro e logo entrado é certeiro
que tudo há-de molhar.

Ó dolente melodia noutra louca cidadela,
quem me dera cinderela, corça silente e tardia
debruçada na janela da minha alma vazia.

Ó mais dura solidão de estar por ti rodeado,
como cavalo poltrão que não respeita terrado
e ameaça romper o cordão, o emblema,
tudo aquilo que é sagrado, por minutos de ilusão
em minha crina morena.


[© PMA. Inédito, 2009. Fonte: Imagem – Capa do livro As Canções de António Botto. Google]

sábado, 14 de março de 2009

«Poesia para o Natal»


Como habitual, no sábado, dia 8 de Dezembro de 2007, os associados da Associação Fernando Pessoa tiveram a oportunidade de participar numa sessão de leitura de poesia que se realizou no Centro Cultural Malaposta, em tarde amena de sol e chuva miudinha.


Entre a reduzida assistência contaram-se Manuela Nogueira, Mário Máximo, Victor Belém, Virgílio Silveira Ramos, Helena Garrett e Pedro Albuquerque.

NOTICIAS DO CAFÉ MARTINHO DA ARCADA − «O Último Jantar»


A 24 de Outubro de 2007, no Martinho da Arcada, a Associação Fernando Pessoa realizou um jantar convívio onde foram convidados de honra os investigadores e novos rostos do universo pessoano, Jerónimo Pizarro, Steffen Dix e Patrício Ferrari.
Foi da iniciativa da Senhora D. Manuela Nogueira, sobrinha do poeta, a sugestão do nome dos convidados para este jantar, o qual marcou o encerramento das tertúlias da Associação no ano de 2007.
Hoje, à distância de ano e meio, não deixa de ser curioso constatar que os jantares convívio desta Associação encerraram, precisamente, com uma nova geração de pessoanos:

quarta-feira, 11 de março de 2009

A Câmara Municipal de Lisboa lança novos “Percursos Literários”


Alunos dos diferentes níveis de ensino poderão conhecer as ruas de Lisboa a partir da leitura de excertos das obras de autores vários que nelas viveram e circularam, fazendo passeios direccionados por percursos pré-definidos, com a duração aproximada de uma hora.

Alexandre O'Neill, Fernando Pessoa, Gil Vicente, José Rodrigues Miguéis, Cesário Verde, Camões são alguns dos autores que podemos levar por companhia.

Estas visitas realizam-se de 2ª a 6ª Feira, bastando marcar e reservar a data e escolher o autor do momento (marcações pelo telefone 21 8170600; serviço gratuito).

[Fonte: Texto – Google]

«Marketing em Pessoa»


Editado pelas Edições IPAM, a obra reúne de originais de Fernando Pessoa, criteriosamente seleccionados, abordando temas técnicos genéricos nas áreas da Economia, da Gestão, e da Comunicação, redigidos numa época em que o Marketing era ainda uma “ciência” desconhecida ou menos conhecida.

A qualidade e a argúcia com que o autor aborda as diversas matérias fazem deste livro um peça fundamental para o conhecimento do “pensamento poliédrico” deste autor.


Ficha Técnica:

Título: Marketing em Pessoa
Autor: Fernando Pessoa
Editora: Edições IPAM
Ano da Edição: 2008
N.º de Páginas: 95
Preço de capa on line: 11,95€

[Fonte: Texto – Google]

Fernando Pessoa é o “Autor do Mês” na Biblioteca Municipal da Sertã


Durante todo o mês de Março de 2009, Fernando Pessoa é o escritor em destaque na rubrica "Autor do Mês" da Biblioteca Municipal da Sertã. Mensagem, Cartas de Amor, Poemas de Álvaro de Campos, O Guardador de Rebanhos, Livro do Desassossego e Poesias, são alguns dos títulos que podem ser consultados nesta Biblioteca.


[Fonte: Texto – Google]

A Casa Fernando Pessoa assinala os 50 anos da morte de António Botto


Fernando Pessoa e José Régio consideraram António Botto um poeta modelar, génio literário que sabia conciliar a Música e a Poesia elevando a cânone formas da tradição popular.
Nas Canções, António Botto alcança laivos de erotismo nunca antes alcançados, trabalhando sobre temas conhecidos e não ditos, assumindo a verdade do seu amor desigual.
Sendo assim tão genial e inusitada a sua arte, qual a razão de ser tão pouco conhecida e divulgada a sua obra? Esta é a questão à qual Eduardo Pitta procura dar resposta.
Convidamos todos os amantes de Poesia a não perder esta sessão única pela voz de um grande Mestre.

[Fonte: Imagem – Convite editado pela Casa Fernando Pessoa. Google]

“Pessoa Com Todos” – Sarau dedicado a Fernando Pessoa na Cooperativa Cultural Popular Barreirense


No próximo dia 13 de Março de 2009, pelas 21h30, na Cooperativa Cultural Popular Barreirense, tem lugar um sarau onde será evocada a poesia e o poeta Fernando Pessoa, sob o tema Fernando Pessoa – Ele próprio e os Outros, com apresentação de Rosário Vaz e intervenção do ARTEVIVA-Grupo de Teatro do Barreiro e dos alunos da Escola Secundária de Santo António.

Nesta ocasião será projectado o filme Fernando Pessoa no Barreiro.

[Fonte: Texto – Google]

segunda-feira, 9 de março de 2009

CASA FERNANDO PESSOA, a Casa da Poesia comemora o Dia Mundial da Poesia 2009. Que prazer ver esta casa aberta ao público!


No Jardim Teófilo Braga (JARDIM DA PARADA - Campo de Ourique) e na Casa Fernando Pessoa, de 16 a 22 de Março, poderemos desfrutar:


Feira do Livro de Poesia
Todos os dias 10h00 - 19h00
Inauguração: 16 de Março 10h00

Sessão de Autógrafos (diversos poetas)

Mostra de Artesanato Urbano
21 de Março 10h00 - 19h00

Actuação do Coro Paradoxal
21 de Março 15H30
Actuação do Coro da CURPI
22 de Março 15h30

Cenas com Pessoa
Ângela Pinto
Hélder Gamboa
Bruno Cochat
Manuel Brás da Costa

Mural de Poesia
Convite à veia poética da população de Campo de Ourique

Serviço Educativo
2ª a 6ª feira 10h00-17h00

Actividades para as escolas:
Peddy jardim
Vamos fazer um poema
Ilustração de "Quadras ao Gosto Popular"
Caricaturas de Fernando Pessoa
Sábado:

Público em geral
Actividades diversas


CASA FERNANDO PESSOA

Exposição de Manuscritos
Teatro A Palavra dos Poetas
Encenação de João Mota
Carlos Paulo e Jorge Andrade
Músico: Hugo Franco
21 de Março 18h30


[© Casa Fernando Pessoa. Fonte: Imagem – Cartaz do evento. Programa - Mundo Pessoa. Google]

«Poesia Reunida, de Maria Teresa Horta»



[Fonte: Imagem - Convite do lançamento do livro na Casa Fernando Pessoa]

sábado, 7 de março de 2009

Assírio & Alvim publica antologia bilingue «Forever Somoene Else», de Fernando Pessoa, por Richard Zenith


Forever Someone Else, é uma antologia poética bilingue (português-inglês) de Fernando Pessoa, editada pela Assírio & Alvim. Trata-se de uma selecta traduzida para inglês por Richard Zenith, na qual se acolhe ou recolhe a melhor e mais representativa poesia de Fernando Pessoa e de seus heterónimos.

O volume integra a colecção Documenta Poetica, devolvendo ao público o melhor da poética pessoana que muitos consideravam esgotada.

[Fonte: Imagem – Capa do livro. Google]

«Fernando Pessoa para jovenzinhos»


Vieira é o último livro de Amélia Paes, publicado no âmbito da comemoração dos 400 anos da morte do Padre António Vieira, o Imperador da Língua Portuguesa.
Nesta altura, está a ser negociada a publicação do livro no Brasil.

A autora informou que um seu novo título, Fernando Pessoa para jovenzinhos, será publicado em breve pela Companhia das Letras. Ficamos a aguardar.

[Fonte: Imagem – Capa do livro. Texto – Google]

Maria Bethânia canta Sophia e Pessoa


A cantora brasileira, Maria Bethânia, actuou em Lisboa, em dois concertos no Coliseu dos Recreios, dias 27 e 28 de Fevereiro, nos quais interpretará poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen, e de Fernando Pessoa, numa justa homenagem à Literatura Portuguesa.

[Fonte: Imagem - Google]

Notícias do Fantasporto 2009: «Lisbon, What The Tourist Should See [1925]»


José Fonseca e Costa está a trabalhar num novo projecto cinematográfico que consiste na adaptação ao cinema de um texto de Fernando Pessoa, de 1925, intitulado «Lisbon, What The Tourist Should See».

Fonseca e Costa quer vestir as palavras de Fernando Pessoa com a roupagem feita de retratos citadinos dos dias de hoje, ilustrando uma Lisboa intemporal. A narração em inglês está a cargo do actor americano Peter Coyote, conhecedor e apreciador da obra do poeta.


[Fonte: Texto – Sara Santos Silva – JPN, 2 de Março de 2009. Google]

«O ESCULTOR DO SUBLIME»


Dizemos adeus
ao sócio e amigo


Lagoa Henriques
(1923 - 2009)




«100 ANOS DEPOIS: Fernando Pessoa em cartazes antigos»



[Fonte: Imagem – Reprodução de cartaz impresso pela Câmara Municipal de Lisboa e afixado por toda a cidade, em 1988. Col. Virgílio Silveira Ramos]

«100 ANOS DEPOIS: Fernando Pessoa em cartazes antigos»



[Fonte: Imagem – Reprodução de cartaz impresso pela Câmara Municipal de Lisboa e afixado por toda a cidade, em 1988. Col. Virgílio Silveira Ramos]

«De Luís Filipe Cristóvão, pubicado em 2009»


[Fonte: Imagem - Capa do livro, Google]

«PORTUGAL E O FUTURO - 1»


Numa altura em que Portugal se encontra numa situação difícil pensei que seria de interesse transcrever algumas considerações que o poeta Fernando Pessoa fez ao longo da sua vida sobre Portugal e o problema nacional. 1907 – 1935. Segunda o poeta o nosso pais tem atravessado diversas crisessimilares, o que para alem de ser curioso nos dá diversas leituras sobre a maneira de ser do povo português Utilizamos uma recolha de textos editados pela Ática em 1978 organizados por Joel Serrão e recolhidos por Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Este livro é hoje de difícil acesso dai a nossa decisão de transcrever alguns textos.


Victor Belém


Aqueles portuguesas do futuro, para quem porventura estas páginas encerrem qualquer lição, ou contenham qualquer esclarecimento, não devem esquecer que elas foram escritas numa época da Pátria em que havia minguado a estrutura nacional dos homens, e falido a panaceia abstracta dos sistemas . A angustia e a inquietação de quem as escreveu, porque as escreveu quando não podia haver senão inquietação e angústia, devem ser pesadas na mão esquerda, quando se tome, na mão direita, o peso ao seu valor cientifico.
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Das feições da alma que caracterizam o povo português, o mais irritante, sem duvida, o seu excesso de disciplina. Somos um povo disciplinado por excelência. Levamos a disciplina social aquele ponto de excesso em que cousa nenhuma, por boa que seja­ e eu não creio que a disciplina seja boa­ por força há-de ser prejudicial. Tão regrada, regular e organizada ,é a vida social portuguesa que mais parece que somos um exército que uma nação de gente com existência individuais. Nunca o português tem uma acção sua, quebrando com o meio, virando as costas aos vizinhos. Age sempre em grupo, sente sempre em grupo, pensa sempre em grupo. Está sempre à espera dos outros para tudo. E quando, por um milagre de desnacionalização temporária, pratica a traição à Pátria de ter um gesto , um pensamento, ou um sentimento independente, a sua audácia nunca é completa, porque não tira os olhos dos outros, nem a sua atenção da sua critica.
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Somos incapazes de revolta e de agitação. Quando fizemos uma revolução foi para implantar uma cousa igual ao que já estava. Manchamos essa revolução com a brandura com que tratamos os vencidos. E não nos resultou uma guerra civil, que nos despertasse: não nos resultou uma anarquia, uma perturbação das consciências. Ficamos miserandamente os mesmos disciplinados que éramos. Foi um gesto infantil, de superfície e fingimento.
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Portugal precisa de um indisciplinador. Todos os indisciplinadores que temos tido, ou que temos querido ter, nos tem falhado. Como não acontecer assim, se é da nossa raça que eles saem? As poucas figuras que de vez em quando tem surgido na nossa vida política com aproveitáveis qualidades de perturbadores fracassaram logo, traem logo a sua missão. Qual é a primeira cousa que fazem? Organizam um partido. Caem na disciplina por uma fatalidade ancestral.
Trabalhemos ao menos - nós os novos - por perturbar as almas, por desorientar os espíritos. Cultivemos, em nós próprios, a desintegração mental como uma flor de preço. Construamos uma anarquia portuguesa. Escrupulisemos no doentio e no dissolvente. E a nossa missão, a par de ser a mais civilizada e a mais moderna, será também a mais moral e a mais patriótica.

F.P. O Jornal - Lisboa 8 de Abril de 1915
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Nota: Extractos de artigo publicado dois meses após a saída da Revista Orpheu.

[© Victor Belém. Fonte: Imagem - A Queda de Ícaro, óleo de Jacob Peter Gowy (1636-37). Google]

«Uns versos Quaisquer (2) Meter o Rossio na Rua da Betesga... em flagrante delitro»


“[…]
Eu, enfim, literalmente eu,
E eu metaforicamente também,
Eu, o poeta sensacionista, enviado do Acaso
As leis irrepreensíveis da Vida,
Eu, o fumador de cigarros por profissão adequada,
O indivíduo que fuma ópio, que toma absinto, mas que, enfim,
Prefere pensar em fumar ópio a fumá-lo
E acha mais seu olhar para o absinto a beber que bebê-lo...
Eu, este degenerado superior sem arquivos na alma,
Sem personalidade com valor declarado,
Eu, o investigador solene das coisas fúteis,
Que era capaz de ir viver na Sibéria só por embirrar com isso,
E que acho que não faz mal não ligar importância à pátria
Porque não tenho raiz, como uma árvore, e portanto não tenho raiz
Eu, que tantas vezes me sinto tão real como uma metáfora,
[…]”
Álvaro de Campos, A PASSAGEM DAS HORAS


Foi durante uma das visitas de estudo que fizemos recentemente com alunos à Lisboa de Pessoa, que me vi confrontada com algumas expressões idiomáticas que aos alunos nacionais não colocam problemas, mas sim aos estrangeiros, que temos cada vez em maior número a colorir com sotaques exóticos os sons dos nossos dias, muito embora os alunos de leste possuam uma rara capacidade para a aprendizagem da nossa língua com um mínimo de sotaque.
Vem isto a propósito da expressão “em flagrante delitro” que constitui a dedicatória com que Fernando Pessoa assina, para Ofélia, uma fotografia de si mesmo ao balcão do Abel Pereira da Fonseca. A foto é bastante conhecida, a dedicatória também, e o Abel Pereira da Fonseca, onde o Pessoa foi “apanhado”, na Rua de S. Nicolau (há quem diga que é em Campo de Ourique), o que tem (tinha) por cima a igreja do “Corpus Christi” , ainda está lá o sítio, embora o prédio esteja fechado e se alguém não der atenção, a tempo, a este edifício duplamente histórico, não tardará muito que ameace ruína a juntar-se a tantos outros.
Durante estas visitas de reencontro com os passos do poeta, passou-se também pela Licorista, antes café Áurea Peninsular, na rua do Arco da Bandeira, onde pode ver-se, no seu interior, um painel de azulejos a cores reconstituindo a célebre foto a preto e branco de Pessoa ao balcão, bebendo talvez a sua ginjinha, talvez o seu absinto. Aí nos detivemos olhando o interior através da montra e virando-nos para a rua, admirando em frente, a fachada do Animatógrafo, onde os desenhos animados agora são outros, com a abertura de uma sex-shop e espectáculos eróticos. Tentando explicar aos estrangeiros o significado de “flagrante delitro”, só me vinha à cabeça a expressão “com a boca na botija”, ainda mais difícil de traduzir, pelo que viesse o diabo e escolhesse. Neste momento, veio em meu socorro a realidade, que nunca nos deixa ficar mal, porque, com as máquinas fotográficas todas apontadas para o animatógrafo, por causa dos esplêndidos azulejos arte nova de Jorge Pinto (depois fomos ver os de Bordalo Pinheiro, na Tabacaria Mónaco), a expressão nos rostos dos homens que vinham saindo (alguns recuavam a velocidade de cruzeiro) era mesmo de quem não esperava e muito menos gostava de ser apanhado “com a boca na botija”. Foi um “momento cultural” muito divertido.
Na rua da Betesga, tradicionalmente considerada a rua mais pequena rua de Lisboa (daí a expressão “meter o Rossio na Rua da Betesga”, que foi o que tentámos fazer ao ambicionarmos percorrer em quatro horas todo o vasto património afectivo de Pessoa na Baixa (quartos, escritórios, cafés, etc), coisa que só conseguimos com muito corta-mato, dizia eu que a Rua da Betesga, apesar das suas modestas dimensões (mas não modesta localização, ali mesmo entre a rua da Prata e a rua Augusta) ainda consegue albergar, só de um lado, uma charcutaria, uma loja de roupas e um banco. De que mais necessita uma rua, de que mais necessita um lisboeta? Nesta rua há dinheiro para comer e para vestir, é uma rua completa. O que não era completo foi a informação de que eu dispunha, porque esperava encontrar o nº 75, onde Pessoa trabalhou, no 3º andar, na Firma Lima e Mayer, que entretanto desapareceu, e tive também conhecimento, nesta mesma visita, que um colega meu teve a paciência, quando andava na Faculdade, de medir ambas as ruas, ao centímetro!, tendo ficado a saber (ele, e agora nós) que a rua do Amparo do outro lado da Praça da Figueira, ainda é mais pequena que a rua da Betesga, tendo uma diferença de... sete centímetros! Lá se foi, num só golpe, um dogma, um provérbio, uma expressão idiomática, um jogo de linguagem (se me permitirem a ousadia de a considerar assim). Um património. Tão valioso como o Abel que encerrou, ou a Igreja de Corpus Christi que se desactivou. Serve-me de compensação saber que se perdemos a rua da Betesga, ganhámos a rua do Amparo. O que não deixa de ser um consolo. A partir de hoje, quando quiserem referir-se a ter mais olhos do que barriga (que foi o meu caso, com esta visita), passam a dispor de duas ruas, podendo escolher entre meter o Rossio na rua da Betesga ou na rua do Amparo. Para os mais moderados, talvez metade em cada uma. Nos tempos que correm talvez dê mais jeito a rua do Amparo. Mas tenho de ir ver que tipo de amparos alberga esta rua. A outra não está mal servida e não nos serve mal.
Vinha isto a propósito do facto de a expressão “meter o Rossio na rua da Betesga”ter sido apanhada “em flagrante delito” pelo meu colega medidor de ruas (não sei se depois de passar pela Ginjinha, nesse caso a medição teria sido “em flagrante delitro”, mas isto já é especulação minha). O que é facto é que com todas estas brincadeiras e conversas em torno de Pessoa e a sua relação com o álcool, acentuada pela sua poesia onde demasiadas vezes se toma à letra o que é trabalho de poeta, logo, de “fingidor”, se fixou uma ideia acerca da sua relação com a bebida que não é verdadeira e muito menos rigorosa. E já que há quem esgrima os próprios textos de Pessoa para o acusar de um alcoolismo que pelo menos nunca foi convencional, relembremos o excerto que vem na epígrafe acima:
“O indivíduo que fuma ópio, que toma absinto, mas que, enfim,
Prefere pensar em fumar ópio a fumá-lo
E acha mais seu olhar para o absinto a beber que bebê-lo...“
Aqui está bem patente que é preciso ler a poesia como aquilo que é e não como uma biografia, com mais razões ainda num poeta de tal complexidade.
Frequentador de leitarias (onde, confessa “eu não ia beber leite”), cafés e tabernas, nunca, no entanto, se apresentou publicamente alcoolizado, nem perdeu o porte digno. A cirrose hepática, até o leite que não bebeu poderia tê-la provocado, sabe-se que o álcool não é o único elemento a atacar o fígado.
De qualquer modo, de alguma coisa ele havia de morrer. Parece ter escolhido aquela que mais poderia baralhar os seus “intérpretes” com a certeza da dúvida.
Assim termino esta crónica onde mais uma vez tentei meter o Rossio na rua da Betesga, e agora, para meu amparo, é aos versos de Pessoa que peço ajuda para me despedir, e que nunca me desamparam:

«Tu, Caeiro meu mestre, o que viste foi a realidade, e não o real.»
Álvaro de Campos.

http://risocordetejo.blogspot.com/


[© Risoleta Pinto Pedro. Fonte: Imagem - Fernando Pessoa na Abel Pereira da Fonseca, 1929. Google]