Numa altura em que Portugal se encontra numa situação difícil pensei que seria de interesse transcrever algumas considerações que o poeta Fernando Pessoa fez ao longo da sua vida sobre Portugal e o problema nacional. 1907 – 1935. Segunda o poeta o nosso pais tem atravessado diversas crisessimilares, o que para alem de ser curioso nos dá diversas leituras sobre a maneira de ser do povo português Utilizamos uma recolha de textos editados pela Ática em 1978 organizados por Joel Serrão e recolhidos por Maria Isabel Rocheta e Maria Paula Morão. Este livro é hoje de difícil acesso dai a nossa decisão de transcrever alguns textos.
Victor Belém
Aqueles portuguesas do futuro, para quem porventura estas páginas encerrem qualquer lição, ou contenham qualquer esclarecimento, não devem esquecer que elas foram escritas numa época da Pátria em que havia minguado a estrutura nacional dos homens, e falido a panaceia abstracta dos sistemas . A angustia e a inquietação de quem as escreveu, porque as escreveu quando não podia haver senão inquietação e angústia, devem ser pesadas na mão esquerda, quando se tome, na mão direita, o peso ao seu valor cientifico.
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Das feições da alma que caracterizam o povo português, o mais irritante, sem duvida, o seu excesso de disciplina. Somos um povo disciplinado por excelência. Levamos a disciplina social aquele ponto de excesso em que cousa nenhuma, por boa que seja e eu não creio que a disciplina seja boa por força há-de ser prejudicial. Tão regrada, regular e organizada ,é a vida social portuguesa que mais parece que somos um exército que uma nação de gente com existência individuais. Nunca o português tem uma acção sua, quebrando com o meio, virando as costas aos vizinhos. Age sempre em grupo, sente sempre em grupo, pensa sempre em grupo. Está sempre à espera dos outros para tudo. E quando, por um milagre de desnacionalização temporária, pratica a traição à Pátria de ter um gesto , um pensamento, ou um sentimento independente, a sua audácia nunca é completa, porque não tira os olhos dos outros, nem a sua atenção da sua critica.
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Somos incapazes de revolta e de agitação. Quando fizemos uma revolução foi para implantar uma cousa igual ao que já estava. Manchamos essa revolução com a brandura com que tratamos os vencidos. E não nos resultou uma guerra civil, que nos despertasse: não nos resultou uma anarquia, uma perturbação das consciências. Ficamos miserandamente os mesmos disciplinados que éramos. Foi um gesto infantil, de superfície e fingimento.
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Portugal precisa de um indisciplinador. Todos os indisciplinadores que temos tido, ou que temos querido ter, nos tem falhado. Como não acontecer assim, se é da nossa raça que eles saem? As poucas figuras que de vez em quando tem surgido na nossa vida política com aproveitáveis qualidades de perturbadores fracassaram logo, traem logo a sua missão. Qual é a primeira cousa que fazem? Organizam um partido. Caem na disciplina por uma fatalidade ancestral.
Trabalhemos ao menos - nós os novos - por perturbar as almas, por desorientar os espíritos. Cultivemos, em nós próprios, a desintegração mental como uma flor de preço. Construamos uma anarquia portuguesa. Escrupulisemos no doentio e no dissolvente. E a nossa missão, a par de ser a mais civilizada e a mais moderna, será também a mais moral e a mais patriótica.
F.P. O Jornal - Lisboa 8 de Abril de 1915
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Nota: Extractos de artigo publicado dois meses após a saída da Revista Orpheu.
[© Victor Belém. Fonte: Imagem - A Queda de Ícaro, óleo de Jacob Peter Gowy (1636-37). Google]
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