segunda-feira, 30 de julho de 2007

MEMÓRIAS FAMILIARES DE FERNANDO PESSOA - A tia-avó Maria Xavier Pinheiro (1830-1911)

Em carta a Armando Côrtes-Rodrigues, Fernando Pessoa referiu-se a esta sua tia-avó materna nascida na Calheta, em S. Jorge, em 1830, vislumbrando através dela raízes poéticas nesta rama familiar, que naquele ambiente aristocrático e conservador de Angra do Heroísmo cultivou o gosto pelas letras e pôde privar com os poetas José Augusto Cabral de Melo e António Moniz Barreto Corte Real.
Nas suas palavras, a tia Maria Xavier Pinheiro era o tipo de mulher culta do século XVIII, céptica em religião, aristocrática e monárquica (…) não admitindo no povo o cepticismo. Da autoria desta sua tia-avó, Fernando Pessoa guardou e transmitiu a Armando Côrtes-Rodrigues o soneto que copiamos (Maria Xavier Pinheiro, «Soneto», in Pedro da Silveira, Antologia de Poesia Açoriana: Do século XVIII a 1975. Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora,1977; pp.130-131).

SONETO

Quem sois vós que escreveis o que eu padeço
E em cujo pensar diviso o meu?
Carpis desilusões bem como eu
E a morte desejais, como apeteço.

Meu sentir é por vós tão bem expresso
Que sinto quanto a vossa alma sofreu.
Vossa sorte infeliz me comoveu,
Que o peito igual ao vosso eu tenho opresso.

Se é grato a quem sofreu dos desenganos
O agro dissabor, achar parceiro
Em desditas cruéis − em cruéis danos −,

Sabei que na minh’alma um verdadeiro,
Um íntimo descer, há muitos anos
Me torna num deserto o mundo inteiro.

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